segunda-feira, 3 de maio de 2010

Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 2010.)

Com um clássico literário do surrealismo, Tim Burton erra a mão em um presente feito exclusivamente para ele e transforma a sua versão cinematográfica de Alice no País das Maravilhas em um filme lisérgico mas previsível, com um bom resultado final, muito aquém de clássicos de Burton, mas muito acima da maioria dos filmes do gênero.

Reconhecido outrora como o “fabulista soturno”, Tim Burton parecia ter o mundo em suas mãos com a aventura vitoriana (e não-infantil) criada por Lewis Carroll e a tecnologia em 3D, o que se conclui que é um empreendimento positivo em todos os quesitos, raridade no mundo cinematográfico. Tentando mudar um roteiro quase imutável, Burton cria uma história infantil em que peca na falta de criatividade. Se tentou ser abusado ao colocar uma Alice adolescente e problemática que volta ao País das Maravilhas para resolver problemas causados pela Rainha Vermelha (antiga Rainha de Copas...), ficou confuso com os elementos necessários para se reviver a personagem e transformou tudo em uma junção do passado e do presente que não funciona. Assim, influências infantis e teens cinematográficas do momento, como Harry Potter, são investidas para transformar este em um blockbuster rentável para a Disney. Perde-se o poder vitoriano da história e se aposta na Alice como uma guerreira com uma armadura e uma espada na mão.

Mas acreditem, isso não faz do filme descartável. Pelo contrário, dirigido por quem foi e pela direção de arte que realmente é deslumbrante, estamos diante de um clássico. Apesar de muitos terem torcido o nariz para o exagero de Burton junto ao 3D, o que se presencia é um show cinematográfico que prima pela beleza e pela qualidade. São muitas cores, muitos túneis, muitos elementos sobrevoando e transformando tudo no verdadeiro mundo de Alice, no lugar onde o surrealismo e o inaceitável imperam e torna tudo maravilhoso. Burton faz um trabalho mágico aqui e que realmente impressiona.

A trilha sonora faz sua parte, mas sem impressionar. Em contrapartida, os efeitos sonoros são ótimos, e colocados nos momentos certos.

Outro saldo realmente positivo são as atuações. Helena Bonhan Carter é o climax do longa. Todas as cenas em que aparece ela impera soberana como a Rainha Vermelha, o que já não acontece com Anne Hathaway, que fica caricata como a Rainha Branca, fazendo a personagem forçar a barra, tornando-se apática e não-empolgante, lamentável. Johnny Depp, novamente funciona como um alter-ego de Burton, e leva tais características ao personagem, o que é sempre incrível e dispensa comentários. As expressões nas vozes de Michael Sheen (Coelho Branco) e Stephen Fry (Gato-Risonho) são bem competentes e dão o tom certo aos personagens, principalmente Fry, que realmente pegou o espírito da coisa. Infelizmente não temos uma Alice real. Aquela garotinha corajosa, mas ao mesmo tempo assustada com todos os acontecimentos (do desenho da Disney de décadas atrás), perde para uma adolescente problemática e com traumas por viver em uma sociedade que parece ser muito abaixo da sua inteligência feminina. Mia Wasikowska é carismática e esforçada, mas não convence no papel.

Assim, temos um fantástico mundo de entretenimento muito além do que Hollywood costuma oferecer, mas um pouco decepcionante se tratando do diretor que é. Mesmo assim, o filme é pura fantasia, e passa por vezes à um bom delírio. É mesmo mais um novo clássico de Burton, que poderia ser muito melhor, mas agrada aos olhos e aos bolsos dos que pagam por uma viagem fundamentalista e relaxante no Mundo das Maravilhas.

Nota: 8.0